Crisálida
Dia após dia...comer,
comer, ir de um lado pro outro, mudando de galho em galho e de novo, de novo e
de novo. Mecanicamente, religiosamente, vez após vez a mesma coisa. Os dias vão
passando e são todos iguais, nada muda. Tudo que vejo todos os dias são folhas
verdes, todas igualmente tediosas e relativamente imóveis. Anos esperando,
rezando, esperando de novo por um milagre, um acontecimento que mudará tudo. A
longa espera terá valido a pena, porque quando esse milagre acontecer abrirei
minhas lindas asas e conhecerei o mundo. Verei flores diversas em cores, cheiros
e sabores. Tudo será mais belo e minha vida, gratificante e cheia de aventuras.
Mas ...e se não acontecer? Se for apenas uma esperança infundada a qual me
agarro com todas as forças do meu ser?
Eu já tentei, juro que
tentei perder a esperança e a fé, mas é como se estivesse tão fortemente
arraigada que não tenho forças para arrancá-la de lá. À noite, enquanto todos
dormem, eu me arrasto para outra árvore ou outro galho esperando, talvez, que
esta tenha a resposta. Mas nunca tem...é só essa fé maldita me enganando de
novo e de novo!
Já sentiu em sua alma um
desejo tão intenso por justiça que chega a queimar? Um dia cansei de esperar
pela justiça divina. Desejei tanto sair do meu infame casulo, que consegui, mas
ninguém percebeu. Eu já era invisível há tanto tempo que ninguém notou quando
me libertei. Resolvi que era uma vantagem e eu finalmente poderia fazer, com
minhas próprias mãos, a justiça que tanto esperei que Deus fizesse por mim.
Durante anos, guardei,
fiz anotações e lembretes. Agora minha lista está pronta e está na hora de
fazer um pouco de justiça, pra variar.
Elemento 1
O primeiro indivíduo que
visitei era médico. Daqueles que o papai comprou o diploma e consecutivamente
um emprego na rede pública. Aqueles que só se torna médico pelo status e para “passar
o rodo” nas colegas de profissão e enfermeiras. Do tipo que, enquanto as
pessoas estão sofrendo, gemendo em uma espera de no mínimo quatro horas, está
no consultório trepando com alguém. Pois é, revoltante! Mas vi isso acontecer
em um hospital público. Estive algumas vezes nessa interminável espera. Você
passa por toda a tortura de esperar sentado em uma cadeira desconfortável, as
vezes a noite toda, passa fome, cansaço e dor pra no fim o médico mal olhar pra
sua cara, não ouvir uma palavra do que você diz e apenas te mandar pra fila da
Dipirona. O governo deve ter algum lucro com o fabricante, só pode.
Ele era um sujeito muito
previsível, tinha menos de trinta anos, era de estatura mediana, branco,
relativamente bonito. Dormia o dia todo, ou jogava videogame, morava sozinho no
apartamento que o papai deu. No inicio da noite pegava seu sedã que o papai deu
e ia dar plantão no hospital. Uma vez por semana. Andava pelos corredores como
se fosse o dono do lugar, perto das funcionárias jovens, ele desfilava jogando
charme e sorrisinhos safados. Cada noite pegava uma funcionária diferente. As
vezes parece que as mulheres adoram esse tipo, malandro que as usa e descarta
como as luvas cirúrgicas que usam. Enquanto a sala de espera ficava cada vez
mais cheia, ele enrolava no cafezinho jogando charme pra alguma desavisada.
Depois desfilava sorridente pelo corredor até o consultório número quatro.
Quando começava a atender, ou melhor, agir como intermediário entre o paciente
e a dipirona, ele fazia longas pausas entre um e outro. Adorava ver a
humilhação que o doente passava apenas pra chegar até ele. Sentia-se um deus!
Decidi que era hora de
derrubá-lo do seu trono celestial.